Por estes dias, algo chamou minha atenção numa coluna de Reinaldo Azevedo – que nada tem a ver com o tema abordado, mas com a repetição de um preconceito surgido nas entranhas do jornalismo e que se perpetua há mais de 30 anos sem razão de ser. Logo na abertura, o colunista contratado pela Folha de S.Paulo desde 2006 traz o seguinte argumento: “Qualquer coisa que ele me dissesse em ‘on’, para ser publicada, seria só parte de uma estratégia, que teria de ser desvendada, ou eu não a publicaria porque isso é trabalho de assessor de imprensa. Um ‘off’ com ele não rolaria… Eu jamais recorro à fórmula ‘fulano disse a interlocutores’… Eu a considero ridícula: se não falou comigo, por que eu confiaria em ‘interlocutores’, caso existissem? Adiante”.
É de se imaginar que um colunista com a visibilidade de Azevedo deva redobrar os cuidados na hora de filtrar informações que chegam por todos os lados, vindas tanto de quem se alinha com sua postura em relação à política nacional, como de quem antagoniza o tempo todo com ele. Meu ponto aqui é menos tudo isso e mais esclarecer o papel dos assessores de imprensa – principalmente em relação a repórteres e editores, ou ainda aos profissionais de relações públicas.
Formada em jornalismo há 36 anos, no início da carreira eu também costumava amassar e jogar fora os press releases que chegavam por fax à redação de uma revista onde era redatora-chefe. Assim como Reinaldo Azevedo, também tinha uma atitude cabotina, julgando inferiores os demais seres da comunicação que não possuíssem um Mtb – ou pior, o utilizassem na defesa de determinados interesses do mundo corporativo.
Mas isso foi lá atrás, antes de aprender mais sobre a vida e a profissão. Tanto que fui trabalhar em Assessoria de Imprensa muito antes da avalanche de novos profissionais de comunicação corporativa que surgiram a partir do fechamento do jornal Gazeta Mercantil, em 2009, ou dos “passaralhos” ocorridos no início dos anos 2000 nos jornais O Estado de S. Paulo, Folha de S.Paulo e Jornal da Tarde. De lá para cá, pude constatar que a imparcialidade é uma virtude para poucos – ave rara.
A imprensa tradicional, tida por muitos como a exclusiva fonte para a informação confiável, desde há muito posiciona seus interesses acima dos fatos quando sente necessidade de proteger seus interesses financeiros e/ou políticos. A biografia de José de Alencar (1829-1877), escritor e jornalista, traz um episódio em que Alencar teve um artigo censurado num grande jornal da época, o Correio Mercantil, porque contrariava os interesses de um anunciante daquele órgão. Conclusão: o jornal assumiu o ônus de perder seu ilustre articulista, mas não abriu mão da verba para manter o prelo em atividade.
É preciso esclarecer que essa postura não é exclusivamente brasileira. Tanto que a frase “Um editor de jornal é alguém que separa o joio do trigo e publica o joio”, indevidamente atribuída ao escritor Mark Twain (1835-1910), já usava a ironia no século passado para criticar o viés tendencioso dos impressos da época. A propósito, o autor dessa frase é Adlai Stevenson II (1900-1965), político estadunidense, conhecido por seu comportamento intelectual, por ser um excelente orador e defensor de causas liberais no Partido Democrata.
Isto posto, vale dizer que no Brasil quem se forma em jornalismo pode trabalhar em mídia impressa e online, rádio, TV, assessoria de imprensa, comunicação interna e até mesmo como redator publicitário. Entretanto, assessor de imprensa não é publicitário, não é relações públicas, não é promoter. É jornalista. O melhor que podemos fazer – e temos feito – é pensar no que nossos clientes têm a dizer, mostrar e oferecer que pode de fato acrescentar na vida dos leitores de determinados meios de comunicação e transmitir essa informação dentro de um contexto que faça total sentido.
Hoje a gente faz matéria, inclui fontes e estudos de terceiros para dar mais respaldo às ideias apresentadas no texto. Há uma preocupação crescente em ser fiel a valores mais nobres. Não se trata somente de “vender o meu peixe”, mas, já que você vai falar sobre peixarias, fique aqui com uma dica do meu peixe rico em ômega3. Sem falar no importante papel dos assessores de imprensa – uma boa parte deles – de oferecer material de ótima qualidade para redações com poucas ou nenhuma condição de contratar bons profissionais. Não são poucas as mídias que se abastecem quase exclusivamente de press releases.
É necessário, também, reprisar a diferença entre assessoria de imprensa e relações públicas. Os profissionais de RP estabelecem conexões com todos os públicos de interesse de uma marca, seus stakeholders. Ou seja, eles costumam promover eventos para os clientes, estabelecer parcerias com influenciadores, monitorar a opinião pública, criar vínculos com determinados meios de comunicação etc. Sendo assim, quando um jornal ou uma rádio oferecem espaço comercial dentro da sua programação, não é com um assessor de imprensa que devem falar. O objetivo principal do assessor de imprensa é alcançar visibilidade e credibilidade através da divulgação do seu cliente em mídias espontâneas, não pagas.
Para além da distinção necessária sobre o papel do repórter, do assessor de imprensa e do profissional de relações públicas, é urgente discutir como garantir que o esforço em prol da transparência seja percebido pelos leitores. Pesquisa realizada pelo Instituto Reuters em 2023 mostra uma ampliação da descrença do público nos meios de comunicação, tendo subido de 43% para 48% naquele ano. O clima de intensa disputa entre polos ideológicos, em anos recentes, contribuiu para o aumento das críticas em relação à imprensa e ao trabalho dos jornalistas. Em meio a essa polarização e ao crescente uso da inteligência artificial na produção de notícias inverídicas e absurdamente tendenciosas, o que fazer para que a verdade dos fatos resista e seja reconhecida como o caminho do meio?
Heloísa H. Paiva é jornalista e sócia da Press Página Projetos de Comunicação – agência com quase 25 anos de atuação. www.presspagina.com.br