Humanos x robôs: quem vence a batalha da gestão de reputação?

Em tempos de avanço exponencial da Inteligência Artificial, ainda há necessidade de contar com seres humanos em serviços como a análise da imagem projetada por uma organização na mídia? Qual interpretação é mais precisa: a objetividade do robô ou a subjetividade humana? O presente artigo propõe uma reflexão sobre essas questões.

Vamos começar pelos assombrosos avanços da IA. Em uma recente participação em um evento, Eric Schmidt, ex-CEO do Google, fez uma previsão perturbadora: “Estamos prestes a perder o controle da inteligência artificial”. Segundo ele, a IA avança em uma velocidade maior do que a capacidade humana de regulamentá-la e compreendê-la plenamente. O especialista acredita que, dentro de “três a cinco anos”, os pesquisadores alcançarão a chamada inteligência geral artificial (AGI), equivalente à capacidade cognitiva humana – e depois disso, esta passará a se desenvolver por conta própria.

Esse cenário de total incerteza e distopia para um futuro tão próximo, parece relegar os seres humanos a um papel secundário até em decisões sobre os rumos do planeta. Em que pesem as implicações éticas e a urgência de governar a IA antes que esta nos governe, ainda há áreas da inteligência humana onde os robôs não têm a capacidade de “competir”. Uma delas é a análise de contextos, subtextos e entrelinhas da realidade objetiva – aquela que, de fato, acontece fora dos computadores e não a que lhes é apresentada nos prompts.

Um desses campos ainda essencialmente humanos é a gestão da reputação de organizações ou indivíduos. Este gerenciamento passa pela análise da imagem projetada na mídia – em todas as formas de mídia, da tradicional às digitais. E tal análise se faz, fundamentalmente, pela interpretação de textos (notícias e posts), mas não apenas pelo que é publicado, mas à luz da realidade que está além do texto – o contexto.

Apesar desta complexidade, em muitos casos, a análise da imagem projetada na mídia ainda é feita com base em critérios tão antigos quanto superficiais, como classificar menções positivas, negativas ou neutras. A pergunta que não quer calar é: positiva ou negativa para quem?

Essa leitura binária ignora um fator essencial da comunicação: a perspectiva. Quem emitiu a mensagem? Quem a recebeu? Quais eram os objetivos estratégicos do emissor e as expectativas do receptor? Um mesmo conteúdo pode ser recebido como boa notícia por um público e como péssima por outro.

Por exemplo: uma notícia destacando o lucro recorde de uma distribuidora de energia pode soar como música para os ouvidos de acionistas e investidores, mas como afronta para consumidores impactados por sucessivos aumentos na conta de luz.

Agora, imagine o seguinte depoimento inserido em uma reportagem sobre o assunto: “A distribuidora está de parabéns por mais esse lucro recorde”, disse João da Silva, morador da cidade atendida pela empresa. Quem é João? Qual seu papel nesse contexto? Qual o sentido e o peso de sua declaração? Onde ela foi publicada? Que público atingiu?

Todas essas questões – que fazem parte da realidade e que estão fora do alcance de uma simples leitura do texto – devem ser levadas em consideração, para uma análise de imagem eficaz. Portanto, classificar conteúdos como “positivos” ou “negativos” a partir de uma leitura meramente objetiva (por robôs) ou subjetiva (por humanos) não é apenas precário, como também um risco para a gestão da reputação.

Uma análise de imagem mais próxima da realidade deve levar em conta os atributos qualitativos desejados ou indesejados em cada situação. Isso requer uma compreensão mais refinada da realidade e da reputação como ativo estratégico — um bem intangível e volátil, que demanda ferramentas de análise compatíveis com sua complexidade.

Em vez de deixar a cargo de um robô ou de um humano a decisão sobre quão “positiva ou negativa” é cada menção na mídia, devemos perguntar: quais características estão sendo associadas à instituição (ou porta-voz)? Elas convergem ou divergem dos objetivos da comunicação?

Essa abordagem já é realidade em organizações que incorporaram auditorias de imagem como parte do seu processo de gestão de reputação. Essas auditorias, quando realizadas por consultorias independentes e por profissionais capacitados, funcionam como termômetros mais precisos da percepção pública — e um apoio valioso para os gestores de comunicação e assessores de imprensa.

Uma dessas metodologias é o iVGR (Índice de Valor, Gestão e Relacionamento), desenvolvido pela jornalista Olga Curado, com apoio de linguistas, filósofos, estatísticos e outros especialistas. Trata-se de uma ferramenta que busca quantificar atributos qualitativos presentes nas matérias jornalísticas — distribuídos em três dimensões fundamentais da imagem pública:

  • Valor (V): relacionado ao eixo moral, como responsável x irresponsável;
  • Gestão (G): relacionado a resultados, como competente x incompetente;
  • Relacionamento (R): a forma como se comunica, transparente x não transparente.

Ao todo, o iVGR considera 18 atributos de imagem, avaliando cada trecho de texto publicado e atribuindo notas que vão de -5 a +5, com base em critérios técnicos auditados. A análise leva em conta não apenas o conteúdo, mas também o contexto, a frequência e o peso de cada mensagem veiculada.

Mais do que apenas medir, essa abordagem oferece diagnóstico e direcionamento: aponta o que está funcionando na construção da imagem e o que precisa ser ajustado, seja em ações de comunicação rotineiras ou em momentos de crise. Isso permite aos gestores de comunicação e assessores de imprensa assumir seu protagonismo estratégico na construção reputacional.

Nas interações entre a inteligência humana e a artificial, que ainda estão no âmbito da cooperação e não da batalha, é chegada a hora de repensarmos as métricas de avaliação de nossa atuação, enquanto gestores de reputações. Continuar presos à tríade “positivo, negativo e neutro” é como tentar mapear o clima do planeta com um termômetro de mercúrio: impreciso, limitado e, muitas vezes, enganoso.

A gestão da reputação é complexa — e a forma de avaliá-la precisa estar à altura dessa complexidade.

*André Sales – Jornalista desde 1989, graduado pela Universidade Católica de Santos, especializado em Comunicação Empresarial pela ESPM e pós-graduado em Estratégia e Liderança Política pela FESP-SP. Foi repórter da Folha da Tarde e assessor de imprensa de dois prefeitos de São Paulo (de 1993 a 2000). Em 2001, fundou a Sales, Lima Comunicação, onde já atendeu a empresas como Avon, Grupo Silvio Santos, Peugeot do Brasil, entre outras. Foi diretor de Comunicação na JSL S/A, maior operadora logística do Brasil, consultor de comunicação do Grupo Neoenergia e é assessor de imprensa da ABTA (Associação Brasileira de Televisão por Assinatura). Também é sócio da Curado Comunicação, consultoria especializada em auditoria de imagem e gestão de comunicação em situações de crise.

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