Até os Anos 1980, o jornalismo de opinião era um espaço profissional muito restrito, especialmente nos grandes jornais e revistas. Poucos jornalistas tinham o privilégio de opinar sobre algum fato ou questão nas redações. Os estudantes de jornalismo naquela época nem se importavam muito em se aprofundar nessa especialidade porque ser um articulista, colunista, cronista, crítico de arte, e principalmente editorialista era um privilégio para poucos e muito distante.
O que ocorreu a partir daquele período, especialmente com a chegada da internet, quando também apareceu o blogue, foi o crescimento do gênero opinativo. No início o blogue era um misto de diário pessoal e coluna de periódico pelo qual inclusive havia autores que ficavam o dia inteiro palpitando sobre tudo e todos. A situação então mudou, essas páginas cresceram, amadureceram e foi descoberto para outros fins como melhorar o posicionamento nos motores de busca (SEO) ou fazer propaganda corporativa.
Na grande imprensa o único espaço democrático mais amplo para a opinião, possivelmente, fosse a seção de cartas ao leitor. Só naquele lugar os leitores conseguiam expor seus pensamentos, críticas, indignações, elogios, conselhos, revoltas, resignações e outras formas de opinar sobre o cotidiano. Para quem não sabe além de ‘tipologia’ jornalística opinativa a carta ou epístola é também um gênero literário, e muitos escritores publicaram cartas com trocas de mensagens e ideias entre colegas, que se tornaram grandes livros.
Nas cartas ao leitor, por sinal, uma missivista que se destacou escrevendo regularmente para o jornal O Estado de S. Paulo foi a ‘Dona Fernanda’, pseudônimo de Maria Aparecida de Oliveira. Sempre publicadas na seção de leitores ela escreveu cartas ao jornal por décadas. Seu estilo era caracterizado por uma linguagem elegante, culta, irônica e muitas vezes crítica. Sua abordagem ficava em temas do cotidiano, política e cultura, e sempre com notável finesa.
Pela frequência e qualidade das suas cartas chegou a ser considerada uma espécie de ‘lenda’ da imprensa paulistana. E por seu vigoroso nível redacional, regularidade e refinamento houve até quem acreditasse que ‘Dona Fernanda’ fosse uma personagem inventada pela redação jornal.
Para estudiosos e pesquisadores da história da imprensa, ela se tornou quase um mito da correspondência jornalística ou no gênero epistolar. Houve inclusive uma ocasião em que o jornal O Estado de São Paulo organizou um coquetel para todos os seus jornalistas e naturalmente contou com a ilustre participação de ‘Dona Fernanda” para abrilhantar uma celebração de tal esplendor, majestade e exaltação, que resplandecia em cada detalhe como um tributo a sua prestimosidade ao periódico.
Publicismo
A história do jornalismo opinativo tem muita história para contar. O curioso é que durante o século XIX e início do século XX houve uma fase na imprensa brasileira chamada de publicismo, que está relacionada ao surgimento e consolidação dos primeiros jornais no Brasil. Nesse período, o jornalismo ainda não estava estruturado e o que predominava era um modelo mais opinativo e muitas vezes ligado a interesses políticos, econômicos ou pessoais.
Abrir um jornal não era um negócio tão caro pois uma tipografia não exigia grandes máquinas nem muitos tipógrafos. Os editores/publicadores só queriam ‘botar a boca no trombone’ para a comunidade. Nas primeiras duas décadas de 1900, a cidade de São Paulo já contava com dezenas de jornais em circulação, refletindo o crescimento urbano, industrial e político da capital paulista.
Por volta de 1900 a 1920, havia cerca de 40 a 60 jornais em atividade na cidade de São Paulo, entre diários, semanais, revistas e periódicos menores, muitos dos quais voltados a nichos específicos, como comunidades de imigrantes, grupos políticos ou profissionais. O que os publicadores/editores queriam na verdade não era necessariamente informar, mas principalmente opinar, dar seus pitacos, externar seus pensamentos e fazer especialmente juízos de valor sobre os fatos da época, especialmente na política.
Em outras palavras, os proprietários de jornais queriam fazer uma avaliação subjetiva sobre qualquer acontecimento ou alguém, com base em seus valores, crenças e experiências, ou ainda registrar sua opinião pessoal envolvendo e atribuindo um valor positivo ou negativo. É muito importante sublinhar que opinião não é necessariamente expressão da verdade. Há detalhes e características que fazem a diferença. Alguns gostam do azul e outros do amarelo. São preferências absolutamente pessoais e muitas vezes de foro íntimo, mas não se pode comprovar legitimamente que o azul é melhor do que amarelo ou vice-versa, por exemplo. Trata-se de pura opinião.
Por isso, o jornalismo opinativo pode causar muitas controvérsias, uma vez nem todos podem concordar com a opinião do autor, o que é saudável para o conhecimento e principalmente para Democracia. O jornalista Walter Lippmann disse uma vez: “Quando todos pensam igual, é porque ninguém está pensando”. E o também jornalista e dramaturgo Nélson Rodrigues nesta mesma linha de pensamento declarou: “Toda unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar.”
Especialistas em Opinião Pública entendem que a polêmica pode ser positiva porque gera interesse, engajamento e curiosidade. Temas controversos costumam abranger diversas perspectivas. E ao tratá-los, o jornalismo opinativo tem a capacidade de estimular a discussão democrática, dar voz a várias perspectivas e estimular a análise crítica da sociedade.
Nos grandes jornais e revistas há um espaço especial para a opinião da empresa jornalística onde são lidos os editoriais também chamados de artigos de fundo. Naquela seção os colaboradores estampam também seus artigos opinativos. É chamada de página de Opinião e nos Estados Unidos de Op-eds. Mas, vale destacar, que há mais tipos de matérias opinativas que também podem se espalhar por outras folhas de uma publicação tais como críticas culturais, crônicas, resenhas, sueltos, ensaios e até charges e caricaturas, que são ‘tipologias’ do jornalismo de traço.
Dentro desse contexto, o que temos notado é que as assessorias de imprensa que sempre focaram mais na distribuição de informação, especialmente por press releases, agora também se direcionaram com atenção para os artigos, tendo esses se constituído ultimamente, mais uma forma de disseminação do nome do cliente, bem como de seus conhecimentos.
*Vera Lucia Rodrigues é jornalista profissional e mestre em comunicação social pela Universidade de São Paulo, e diretora da Vervi Assessoria de Comunicação, empresa que há 43 anos atua na área de comunicação corporativa. É também ministradora do curso online ‘Como a Utilização da Imprensa Pode Alavancar Negócios’ e host do podcast ‘Comunicação é tudo’.