Discurso de Bolsonaro na Paulista expõe falhas estratégicas de comunicação

Pronunciamento evidenciou desalinhamento entre estilo pessoal e mensagem, com impacto negativo na recepção pública

O pronunciamento de Jair Bolsonaro na Avenida Paulista, no último domingo, ganhou repercussão internacional — mas não exatamente pelos motivos esperados. A tentativa do ex-presidente de denunciar o STF ao “mundo livre” esbarrou em um inglês hesitante e em frases desconexas, como o trecho que citava “popcorn and ice cream” para se referir a dois dos réus condenados no caso 8 de janeiro. O resultado foi uma enxurrada de memes e críticas nas redes sociais, além de um questionamento sério sobre sua estratégia de comunicação.

Segundo Adriano Santos, sócio da Tamer Comunicação, o problema está na tentativa de adotar uma linguagem que destoa do histórico de comunicação do ex-presidente. “O Bolsonaro sempre se comunicou melhor no improviso bruto, na linguagem popular e nos ataques diretos. Quando tenta soar técnico ou globalizado, ele perde força — e perde o público”, explica. A performance evidenciou um descompasso entre intenção e estilo, o que comprometeu a recepção da mensagem.

O equívoco, nesse caso, não foi apenas de execução, mas de concepção. A escolha de um discurso em inglês, com tom diplomático, pressupõe domínio do idioma, clareza na argumentação e sintonia com o público — elementos que exigem preparo técnico. “Quando a fala não reflete a identidade do porta-voz ou ignora as expectativas da audiência, o impacto tende a ser inverso ao planejado”, afirma Santos. A comunicação pública exige um alinhamento entre forma e autenticidade.

Esse tipo de desequilíbrio costuma ser evitado com preparo específico. O media training, nesse contexto, não serve para robotizar discursos, mas para ajustar a linguagem à realidade de quem fala. “A comunicação não é sobre decorar textos. É sobre aprender a transmitir ideias com clareza, dentro das possibilidades de cada porta-voz”, diz. O papel do treinamento é justamente ajudar a reconhecer os próprios limites — e a transformá-los em estratégias eficazes.

Na Tamer, os treinamentos são adaptados à trajetória, repertório e estilo de cada profissional. A intenção não é criar falas perfeitas, mas funcionais. “É preciso entender o cenário, calibrar o tom, prever possíveis reações e construir mensagens que façam sentido dentro do que a figura pública representa. Sem isso, o risco de ruído cresce — e o desgaste também”, comenta Santos. O improviso, por mais convincente que pareça, dificilmente substitui o preparo.

O ambiente digital ampliou os efeitos de falas públicas. Cada frase pode ser capturada, descontextualizada e reinterpretada por diferentes grupos. Por isso, o treino deixa de ser um luxo e passa a ser uma medida básica de proteção reputacional. “Hoje, quem ocupa um espaço de visibilidade precisa ter total consciência de como se comunicar. Não se trata só de falar — mas de ser compreendido, no tempo certo e da forma adequada”, acrescenta.

Ainda que o pronunciamento buscasse projeção internacional, o formato escolhido acabou revelando fragilidades. A ausência de naturalidade no tom e a leitura mecânica do texto em inglês reforçaram a sensação de improviso mal planejado. Em vez de projetar autoridade, o discurso deixou a imagem do orador exposta a interpretações diversas — e, muitas vezes, desfavoráveis.

O caso reforça a importância de transformar cada aparição pública em um momento estratégico. A preparação não elimina riscos, mas oferece ferramentas para que a mensagem chegue com maior precisão. “A comunicação eficaz nasce do autoconhecimento e da prática orientada. É aí que o media training entra: como um espaço de ensaio realista, que antecipa cenários e prepara para os imprevistos”, conclui Santos.

Foto: Edilson Dantas/Agência O Globo

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