Muito predicado pra pouco algoritmo

 Como a lógica das plataformas produz ignorância sob medida para engajar

Vivemos na era do “tudo ao mesmo tempo agora”: dados, informações, notificações, vídeos, threads, lives… Mas, no meio desse turbilhão, o que realmente entendemos? A sensação é de que, quanto mais conectados estamos, menos compreendemos. E aqui entra um conceito fundamental para entender o cenário: agnotologia. O termo, cunhado pelo historiador da ciência Robert Proctor, se refere ao estudo da ignorância produzida, fabricada de forma deliberada. Não é só sobre falta de informação, mas sobre estratégias bem calculadas de confundir, distorcer, omitir ou manipular o conhecimento. É quando a dúvida não é uma consequência, mas uma ferramenta. E, na lógica das plataformas, essa ignorância estratégica se tornou parte do modelo de negócios.

A agnotologia não trata apenas de desinformação. Ela vai além: é sobre transformar o claro em confuso, o fato em opinião, a evidência em debate. E, se antes isso era feito por interesses corporativos e estratégias midiáticas, hoje os algoritmos das plataformas digitais são os grandes aliados dessa lógica.

Diferente do que muitos pensam, os algoritmos não foram criados para informar, mas para prender nossa atenção. Seu objetivo é simples: manter o usuário engajado o maior tempo possível. Para isso, utilizam dados comportamentais para filtrar e priorizar conteúdos com maior probabilidade de gerar cliques, curtidas, compartilhamentos e reações, especialmente aquelas mais emocionais e polarizadas.

Nesse cenário, informações falsas, distorcidas ou sensacionalistas ganham vantagem. Elas performam melhor, engajam mais e, portanto, são recompensadas. Um estudo revelou que notícias falsas têm 70% mais chances de serem compartilhadas do que as verdadeiras.

Esse ambiente se torna um terreno fértil para a agnotologia contemporânea. A dúvida, a confusão e a polarização deixam de ser efeitos colaterais e se tornam métodos eficazes de captura da atenção. A ignorância não é mais apenas uma ausência de saber, mas um produto cuidadosamente distribuído por mecanismos digitais.

A “economia da atenção”, conceito formulado por autores como Herbert Simon e aprofundado por estudiosos como Matthew Crawford, transforma nosso tempo em ativo econômico. A consequência direta é a simplificação dos discursos, a eliminação das nuances e a criação de “realidades paralelas” onde dados científicos competem de igual para igual com teorias da conspiração.

O ciclo é perverso: o algoritmo identifica o que engaja → promove conteúdos semelhantes → retroalimenta a crença do usuário → isola-o em bolhas informativas → dificulta o pensamento crítico. O fenômeno da desinformação se insere nesse circuito como combustível de um sistema que não busca a verdade, mas a eficiência comercial .

O que se forma é um loop de confirmação e ignorância, que fortalece discursos anti científicos, negações históricas e visões extremistas, dando-lhes uma aparência de normalidade e consenso. Um cenário onde a ignorância deixa de ser um erro e passa a ser uma estratégia.

Por isso, compreender a agnotologia é essencial para analisar as mídias digitais contemporâneas. Ela nos permite reconhecer a ignorância como um fenômeno fabricado, e não meramente espontâneo ou acidental. Nos obriga a questionar: quem lucra com a dúvida? Quem tem interesse em manter o público confuso? Quem desenha os caminhos por onde nossos olhos deslizam?

A crença na neutralidade técnica dos algoritmos é, talvez, uma das formas mais sutis de ignorância moderna. Por trás das equações, há interesses comerciais, escolhas editoriais e uma lógica de priorização que raramente considera o bem público.

Se queremos resistir à cultura da ignorância fabricada, precisamos repensar o papel dos algoritmos e investir na formação crítica dos usuários. Isso inclui educação midiática, regulação transparente das plataformas e, sobretudo, uma abordagem ética e informada sobre como a informação circula nos dias atuais.

Afinal, de que adianta tanto predicado, se no fim estamos todos presos a um algoritmo que não conjuga o verbo “pensar”?

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