Gustavo Loureiro Gomes, CEO e fundador da HUG
Nos últimos anos, uma planilha com informações sobre os bastidores de agências de publicidade e marketing tem causado um alvoroço no mercado da comunicação. O documento, que reúne relatos de profissionais da área, traz à tona questões como assédio moral, baixos salários, carga excessiva de trabalho e a falta de benefícios básicos, além de outras “reclamações”. Somente na última planilha, de 2025, foram mais de 5.000 relatos de profissionais de comunicação dos mais diversos cargos.
Esse ciclo vicioso ano a ano reflete uma crise estrutural que exige mudanças profundas na forma como o mercado se organiza e se relaciona com seus profissionais.
O mercado de comunicação no Brasil é extremamente pulverizado. Com milhares de profissionais atuando em pequenas, médias e grandes agências, seja PJ ou CLT, o setor é marcado por uma dinâmica intensa, prazos apertados e uma concorrência, digamos, feroz. A tecnologia e a ascensão do marketing digital aumentaram ainda mais essa pressão, exigindo especialização constante e cumprimento de prazos cada vez mais curtos.
Junto com as exigências do mercado, vem os desafios, tanto para empresas como para profissionais de comunicação: assédio moral, metas abusivas, salários incompatíveis com a complexidade do trabalho e uma cultura de burnout que permeia o setor, são alguns a serem resolvidos ou, pelo menos, identificados pelos departamentos de recursos humanos. Além disso, há o mito de que o profissional PJ não deve ter benefícios como no regime CLT. Não é bem assim.
Do outro lado da moeda, estão as empresas e agências que, diante de um mercado cada vez mais competitivo e tecnologicamente exigente, encontram dificuldades para contratar e, depois, reter bons profissionais. O dilema é claro: como oferecer melhores condições sem comprometer a rentabilidade dos negócios?
Um dos principais problemas na gestão de talentos do setor é a desumanização dos processos seletivos. Em busca de eficiência, as agências (e todo o mercado) adotam processos automatizados que filtram currículos sem qualquer contato humano inicial, eliminando oportunidades fundamentais de conexão entre recrutadores e candidatos.
Alguns números interessantes comprovam essa realidade: seis em cada dez profissionais de RH já utilizam inteligência artificial nas suas rotinas profissionais, sendo que 26% disseram que usam a tecnologia todos os dias e 34%, raramente, segundo estudo da empresa Ticket. Em outra pesquisa, da ResumeBuilder.com, 83% dos entrevistados responderam que a IA pode avaliar qualificações profissionais específicas.
A solução para essa crise passa por um resgate das relações humanas na contratação e na gestão dos colaboradores. A atração começa por oferecer informações claras e objetivas no próprio anúncio da vaga, oferecer valores dignos e acima da média do mercado, abrir esses valores, oferecer benefícios, garantir um escopo correto e sem sobreposição de funções. Isso é o básico para qualquer relação profissional se manter sustentável. E tudo isso já é um passo para o trabalho posterior de retenção.
Uma estratégia viável para as agências que buscam equilíbrio entre produtividade e valorização dos profissionais é o outsourcing. A terceirização de determinadas funções, ou até de um time inteiro, permite que as empresas tenham acesso a especialistas qualificados, sem a necessidade de gerenciar o processo de recrutamento e de gestão de pessoal. Além disso, reduz custos fixos, oferece maior flexibilidade e possibilita que as empresas se concentrem no que fazem de melhor: criar estratégias inovadoras.
A polêmica da planilha expõe um mercado que precisa urgentemente de mudanças. O futuro da comunicação passa pela valorização dos profissionais, pelo retorno às relações humanas e pela adoção de modelos de trabalho que equilibrem eficiência, bem-estar e desenvolvimento profissional. Se o setor deseja evoluir, é preciso encarar essa realidade e agir.
*Gustavo Loureiro Gomes, CEO e fundador da HUG, é especialista em Gestão de Pessoas, com mais de 20 anos de experiência em marketing, publicidade e relações empresariais.